segunda-feira, 8 de março de 2021

Pedra bonita

Sempre acompanhei o segmento literário que enfoca o sertão e, neste, a sua fauna, flora e o seu povo sofrido. Este, que temos entre outras características a sua marca de resistência física que só os valores da alma a justificam.

Estas obras são produzidas por autores que sempre descrevem o sertão com particularidades dos animais, vegetação, povo, às complexas crenças alimentadas pelo sofrimento físico e mental. Valores tão fortes que os prendem mesmo quando, do sertão, se afastam geograficamente.

Muitas são as representações deste povo e o cangaço é uma destas marcas. No entanto, as irreverências tendem a prevalecerem, infelizmente. É na criação mental maldosa do povo que se encontram as versões mais intrigantes, mesmo quando em suas raras descrições com fundamentos verídicos. Temos que, numa companhia de policiais de uma maioria de caráter idôneo, alguns conseguem o manchar a tal ponto que preparam o ambiente à credibilidade sobre as mais absurdas conjecturas. Trago esta relação por ser mais atual para a compreensão sobre as características dos cangaceiros, um povo marcado pelos atos radicais de revoltas permeadas pelo anarquismo, pelo peso do fundamentalismo de suas crenças, pelas heresias, ..., num contexto onde a dor da miséria material é irrelevante em comparação às consequências deste estado.

A leitura de "Pedra Bonita" de José Lins do Rego, embora uma obra de ficção, encerra nas suas descrições reais geográfica e biológicas, a verdadeira característica da vida do sertanejo e, neste conjunto, as melhores identificações do cangaço. Entretanto, não é o único autor a evidenciar as peculiaridades do sertão citando nomeadamente os elementos marcantes da fauna e da flora nordestina. Para tanto, aproveito para destacar a maestria do imortal Guimarâes Rosa quando em "Grandes sertões: veredas" se deleita intimamente em uma de suas características marcantes, a descrição dos elementos do sertão com a intimidade que lhe é peculiar.

Em uma narração de Dioclécio, um personagem de Pedra Bonita, diz "[...] Na pedra vi gente que tu nem avalia. Tem ladrão, cangaceiro, tudo que é nação de gente ruim.[...]". Esta é uma passagem da obra que infelizmente percebe o cangaço em seus atos horrendos, sua descrição mais comum.

Aproveito a leitura no momento em que paralelamente estudamos a disciplina Ciência Política e entre muitos outros conhecimentos a descrição dos elementos do Estado. Entre vários conceitos aquele citado pelo professor da disciplina, José Soares, para nação como, um grupo de pessoas com mesma identidade cultural, uma definição perfeita para o contexto desta postagem e também uma sugestão para o professor que tanto gosta de fazer relações com as obras da doutrina e da literatura popular. Ahhh, das músicas também. (rs)

A leitura também desperta um interesse particular que tenho sobre as unidades de medidas que antecedem à criação do sistema métrico decimal. Em Pedra Bonita, percebemos várias passagens em que a "légua" é citada. Esta era uma unidade de medida de comprimento muito utilizada para relacionar distâncias. Portanto, quando o autor diz "[...] No outro dia, porém, passou povo pelo Araticum com destino à Pedra. Era uma família que morava a mais de doze léguas de distancia.[...]" (REGO, 2018, p.261), fica subtendido que aquela família teria gasto mais de 12 horas de viagem, sem paradas, pois uma légua é relacionada à distancia que a pessoa percorre em uma hora à pé em seu passo normal. Era uma unidade de medida muito útil para a época.

"[...] O sol tomava conta da caatinga. Já era dono de tudo. Só os imbuzeiros se arredondavam com os galhos caindo no chão." 

Deixo este destaque da obra "Pedra Bonita"


"Os cavalos puxavam, o ar bom da madrugada ajudava. Bento vinha atrás, meio tonto. Não sabia, não podia imaginar o que pudesse acontecer. Na caatinga os cavalos abrandaram a marcha. Mas ali o mundo floria como um jardim. Os pirins cobertos de branco, as caraibeiras amarelas como ouro, e o vermelho das macambiras e o cheiro das imburanas. Teve saudade do Araticum.[...]" (REGO, 2018, p. 282)

Até a próxima leitura.

"Obrigado.

Já andei léguas sem fim neste sertão de meu Deus. Só quero um dia chegar no lugarejo da Paz, onde não haverá mais injustiça e os amigos se chamam de cumpadi. (José Soares)"

Referência:

REGO, José Lins do. Pedra Bonita. 16 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2018.

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