sábado, 23 de abril de 2022

Blaise Pascal


Após leitura de um opúsculo sobre Galileo Galilei adquirido na banca do terminal rodoviário de São Luís com o objetivo de variar a monotonia das constantes viagens de fins de semana destinadas à realização do mestrado em matemática, venho realizar mais uma leitura neste gênero de biografias dos nomes mais comuns na rotina do ensino de matemática e de informática. Devo confessar que o intervalo de uma leitura à outra neste segmento de interesse tem sido relativamente longo, embora tenha me detido à parciais e esporádicas releituras de algumas passagens da biografia de Galileo. Dedico então estas linhas à socialização de alguns destaques desta marcante obra de Antônio G. da Silva intitulada Pascal: cientista e filósofo místico.

Menino prodígio alfabetizado e instruído por seu pai Étienne Pascal, notabilizou-se por suas contribuições na área da física, filosofia e muitas outras. Sua paixão declarada era a matemática, mas Pascal foi também cientista e inventor. Entre suas contribuições como inventor, destacamos a "máquina de aritmética" como assim chamava, embora à conheçamos na literatura como Pascaline e foi criada quando Pascal ainda tinha 19 anos. Esta configura como a primeira calculadora mecânica da história e, sendo assim, uma precursora do computador por representar o primeiro computador analógico.

Nascido em Clermont-Ferrand, França em 1623, revolucionou os conhecimentos da ciência daquele conturbado século XVII dedicando-se aos trabalhos sobre os fluidos, então iniciados pelo físico italiano, Torricelli. Seus estudos sobre pressão e vácuo também estão presentes na história do progresso da ciência contemporânea. Dotado de aptidões intelectuais extraordinárias, sua passagem, apesar de marcante, reduziu-se a 39 anos, falecendo em Paris em 1662.

As produções literárias baseadas nos relatos de Pascal revelam suas competências para produções como fruto de evoluções e lapidações de trabalhos existentes. Jamais ignorou as contribuições de seus antecessores, revelando suas habilidades perceptivas e apresentando conclusões divergentes daquelas até então conhecidas. Atualmente, percebemos o grande sofrimento que aqueles cientistas enfrentavam ao apresentar divergências aos conhecimentos aceitáveis na época, mas convivemos no momento, por exemplo, com o reconhecimento da terra girando em torno do sol e da existência do vácuo, teorias outrora veementemente sufocadas, embora cientificamente comprovadas.

No próprio prefácio de tratados escritos por Pascal, podemos perceber sua reverência aos antigos cientistas, mas queixa-se da exacerbada resistência às novidades científicas conforme parafraseadas por Silva:

"Em sua brevidade, o prefácio se queixa do sumo respeito conferido a tudo o que os antigos nos legaram nas ciências humanas e nas ciências exatas e, em contrapartida, do tratamento mesquinho dados pelos contemporâneos a todos os cientistas modernos que, por meio de experiências sérias e conclusivas, fazem novas descobertas, contribuindo para o progresso da humanidade. ... Hoje podemos ter outras posições e novas opiniões sem desprezo e sem ingratidão, uma vez que os primeiros conhecimentos serviram de degraus para os nossos e que nesses avanços lhes somos devedores da ascendência que temos sobre eles, porque, tendo sido elevados até o grau para onde eles nos levaram, o menor esforço nos faz subir mais algo e com menos dificuldade e menos glória nos encontramos acima deles. É por essa razão que podemos descobrir coisas que lhe eram impossíveis perceber. Nossa visão é mais ampla e, embora conhecessem tão bem quanto nós tudo o que podemos observar da natureza, não a conheciam tanto, contudo, e nós vemos mais do que eles."

Entretanto, é estranho de que maneira se reverencia suas posições. Comete-se um crime ao contradize-los e um atentado aos acrescentar-lhes alguma coisa, como se não tivessem mais deixado verdades a conhecer.

Acaso seria indigno a razão do homem coloca-lo em paralelo com o instinto dos animais que, como as abelhas, agem construindo suas colmeias estruturadas em seus hexágonos tão perfeitamente exatos hoje quanto foram os primeiros de sua espécie. O homem, no entanto foi criado exclusivamente para infinitude.

"Não é necessário, porque você é duque, que eu o estime, mas é necessário que o cumprimente... é uma tolice e uma baixeza de espírito lhes recusar estes deveres" Pascal deixou três discursos sobrea condição dos grandes, demonstrando entretanto suas habilidades em sociologia e política. Era um cidadão integrado na sociedade de sua época e preocupado com o bom funcionamento da gestão da coisa pública.

Não poderia deixar de traçar um paralelo com a natural convivência com alguns colegas que entenderão perfeitamente a citação destacada abaixo. (Creio que apenas este grupo entenderá. Ressalto que não se trata de uma ironia ou mesmo de qualquer relação com a ideia anunciada. Divirtam-se colegas).

"... você está cercado de pequeno número de pessoas que reina à sua maneira. Estas pessoas estão repletas de concupiscência. Pedem-lhe os bens da concupiscência; é a concupiscência que o liga a você. Você é, portanto, um rei de concupiscência. Se reino é de reduzida extensão, mas você é igual nisso aos maiores reis da terra; como você, são reis de concupiscência. É a concupiscência que faz sua força, isto é, a posse das coisas que a cobiça dos homens deseja. Use dos meios que ela lhe é favorável e não pretenda reinar por outra via senão aquela que o tornou rei. Não é sua força e seu poder natural que lhe sujeitam todas estas pessoas. Não pretenda, portanto, dominá-las pela força, nem tratá-las com dureza. Contente seus justos desejos; alivia suas necessidades; demonstre prazer em ser beneficente; ajude-os tanto quanto puder e agirá como verdadeiro rei de concupiscência."

Não tenho a menor pretensão de esgotar as contribuições apresentadas na obra, me reservando apenas a estes breves relatos destacados.

Dentre muitas outras passagens, destaco alguns parágrafos contido no capítulo intitulado "pensamentos":

* Da mesma forma que se estraga o espírito, se estraga também o sentimento. O espirito e o sentimento se formam pela conversa. Espírito e o sentimento se estragam pela conversa. Assim, as boas ou más conversas o formam ou o estragam. Importa, portanto, saber realmente escolher para formá-lo em si próprio e não estragá-lo; e não se pode proceder a esta escolha, se já não se o tiver formado e não estragado. Assim, isso se torna um círculo vicioso e são bem felizes aqueles que conseguem sair dele.

* Persuadimo-nos geralmente pelas razões que nós mesmos encontramos que por aquelas que nos foram transmitidas pelo espírito dos outros.

* A eloquência é uma arte de dizer as coisas de tal modo que: primeiro, aquelas a quem se fala possam entende-la sem dificuldade e com prazer; segundo, se sintam interessados, de maneira que o amor-próprio os leve de boa vontade a refletir sobre elas.

* As palavras diversamente dispostas transmitem um pensamento diverso e os sentidos diversamente dispostos causam efeitos diversos.

* Queres que se pense bem de ti? Não fales bem de ti.

* Um mesmo sentido muda segundo as palavras que o exprimem. O sentido recebe das palavras sua dignidade em vês de conferí-las a elas.

* Quando se lê muito depressa ou muito devagar, nada se entende.

* Admito como um fato que, se todos os homens soubessem o que dizem uns dos outros, não haveria quatro amigos no mundo. Isso transparece pelas discussões que reatos indiscretos causam às vezes.

* Embora as pessoas não tenham interesse no que dizem, não se deve em absoluto concluir disso que não mintam, pois há gente que mente simplesmente por mentir.

* As coisas tem diversas qualidades e a alma, diversas inclinações, pois nada do que se oferece à alma é simples e a alma nunca se oferece simples em nenhuma situação. disso decorre que se chora e se ri de uma mesma coisa.

* A natureza se imita: uma semente, lançada em terra boa, produz; um princípio, lançado num bom espírito, produz; os números imitam o espaço, sendo de natureza tão diferente.

Pascal nos deixou um legado composto de diversas contribuições científicas em sua breve passagem mesclada de sofrimento por sua saúde comprometida, seus períodos de vida desregrada e suas místicas percepções no que concerne a natureza espiritual do homem. Sua dedicação à matemática nos permitiu alguns teoremas sobre as probabilidades e a lapidação do triangulo aritmético, triangulo chinês ou, como mais conhecemos, triangulo de Pascal.

Me despeço de mais uma gratificante leitura, mas reservo a única intenção de retomá-la e de me reportar sempre que conveniente.