segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Produção Jeofton

Terra das palmeiras

Mata dos cocais, uma região que embora não seja genuinamente maranhense, compõe uma de suas riquezas. Entretanto estende-se compartilhada com os irmãos de outros estados, entre eles o Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia e Tocantins. Uma vegetação que transborda beleza e preserva sua altivez e imponência seja em seu destaque isolado ou quando aglomerada. Beleza que pode ser aparente e percebida à distância ou contemplada em sua essência por quem compartilha sua presença no seu dia a dia, por vezes contemplando o branqueamento esfumaçado da neblina levemente movimentada entre a vegetação que vezes esconde e vezes destaca as palmeiras ao fim do crepúsculo matutino formando uma imagem mental privilegiada por seu povo ou por transeuntes de observação mais apurada.

A (Orbignya phalerata) ou babaçu, também chamado bauaçu, baguaçu, auaçu, aguaçu, guaguaçu, uauaçu, gebara-uçu, coco-de-macaco, coco-de-palmeira, coco-naiá, coco-pindoba e palha-branca repesenta uma dádiva incorporada aos valores culturais de um povo privilegiado por compartilhar da companhia permanente das palmeiras comum das áreas mais rurais em detrimento das vegetações que predominam as plantações de pedras em meio à discretas vegetações naturais urbanas. Um povo que aprendeu a aproveitar da totalidade da arvore como matéria prima à uma diversidade de necessidades próprias do homem do campo. Este utiliza a palmeira em construções vernaculares e para isto faz uso do tronco e folhagem em paredes, coberturas e esquadrias.

A criatividade humana parece fluir em campo fértil propenso a multiplicação de possibilidades de uso da palmeira em utensílios domésticos indispensáveis ou para eventuais demonstrações de bom gosto artesanal na produção de peças cuja imaginação permite criar. Para tanto, os artesanatos confeccionados com o babaçu representam os souvenirs que não podem faltar em lojas de lembranças turísticas representativas do Maranhão, embora não seja uma vegetação presente em todo seu território. Vale ressaltar as produções de peças de palha destinada às perfeitas a atrativas acomodações de aves em postura, ou seja, os ninhos de palha chamados de "panacu". Tambem de confecção em palha existem as famosas esteiras usadas para divisões eventuais como mero bloqueio da visualização conferindo privacidade, simplesmente para forrar o chão ou para as famosas portas(mensabas) das residências mais humildes e isoladas cuja fechadura se resumia a um providencial amarrado de cipó, cordão ou tira de tecido.

As tradicionais casas de taipa coberta com a folha da palmeira de babaçu e com paredes de barro, madeira e talo da folha da palmeira conferem um prazer desde a dedicação à construção, preparando a folha para cobertura, o barro para as paredes e pisos e a sensação incomparável de um ambiente peculiar das construções destas regiões rurais, por vezes, isoladas entre uma vegetação típica e que permitem a livre passagem do vento pelas aberturas superiores das construções e por onde podemos contemplar a claridade do dia, a beleza do céu noturno ou cujo contato mais íntimo com a natureza proporcionam sensações incomparáveis nos dias de chuva. Estes são valores que não podem ser representados e sim vivenciados.

Outro valor que podemos tentar descrever está relacionado à vida das quebradeiras de coco ou dos roceiros. Enquanto estes contemplam a companhia das palmeiras em suas áreas de roça, aquelas serpenteiam a vegetação comumente fechada usando rastros do caminhar frequente. Algumas quebradeiras costumam cantarolar em seu trajeto na busca das palmeiras carregadas de cachos de coco, juntam amontoados de coco utilizando "cofos" confeccionados também da palha do babaçu para o transporte e aglomeram-se na sombra entre a vegetação para retirada das amêndoas com seus machados e porretes. Estes momentos indescritíveis em sua plenitude, são proporcionadores de descontração pelo prazer muito peculiar.  Ao fim de uma jornada diária, deixam as cascas para posterior confecção de carvão de coco e levam as amêndoas retiradas para seus lares. Consequentemente, realizam a venda das amêndoas ou de seus derivados como o coco quebrado nos pilões de madeira ou do azeite produzido em processos artesanais simples, porém trabalhosos.

O mesocarpo do babaçu representa outro produto obtido do coco e seu uso pode ser destinado à confecção de bolos, bolachas e uma espécie de pó para misturar ao leite. Este produto, além de ser nutritivo e saboroso, detém indicações para uso medicinal contendo elevado poder nas ações cicatrizantes. 

A multiplicidade de formas de aproveitamento dos produtos oriundos da palmeira do babaçu não se esgota e na culinária configura como ingredientes presentes nos pratos mais saborosos e tradicionais do estado bem como nas alimentações de improviso mais imediato como o azeite aquecido junto com a farinha de mandioca amarela acompanhada de café, mas são os deliciosos pratos de galinha, bode e muitos outros cozidos no leite de coco que despertam atenção merecida na culinária maranhense. Despretensiosamente, ressalto a exoticidade da apreciação do "gongo" crú ou frito para alguns.  

A palmeira de babaçu e suas incontáveis funcionalidades já sustentou milhares de maranhenses, já enriqueceu alguns usineiros produtores de azeite, produtores de carvão em grande quantidade, etc,. Atualmente, ainda compõe o sustento de diversas famílias deste riquíssimo estado brasileiro. Já foi protagonista de diversas produções literárias maranhenses, algumas das obras representam as mais parodizadas do mundo como é o caso de "Canção do exílio" do poeta maranhense Gonçalves Dias.

De forma alguma pretendemos esgotar as possibilidades de exploração do potencial da Orbignya phalerata, mas deixaremos evidenciado que da sua literal sombra existencial à sua morte, encontramos utilidade. Pois nesta o material orgânico em decomposição representa um dos melhores substratos para plantas, sobretudo nos tradicionais canteiros maranhenses e enquanto viva permanece bela e altiva resistindo ao fogo acidental ou criminoso e aos volumosos níveis pluviométricos da região dos cocais.

Não poderia me despedir sem enaltecer os jardins dos "terreiros" daquelas residências com plantas típicas regionais geralmente envoltos em palmeiras, ambiente que trazem em sua singela essência a riqueza da vida, a felicidade que poucos tem o privilégio de apreciar, pois como poucos conseguem perceber os sons que as palmeiras produzem, analogamente, poucos apresentam sensibilidade aos prazeres mais escusos.

Jeofton Meira Trindade

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